Neurossífilis: Uma Complicação Grave e Prevenível da Sífilis

NEUROLOGIA

4/15/20254 min read

Neurossífilis: Uma Complicação Grave e Prevenível da Sífilis

A neurossífilis representa uma complicação severa e potencialmente incapacitante da sífilis, causada pela infecção crônica pela bactéria Treponema pallidum. Apesar de ser uma condição rara nos dias atuais devido ao advento dos antibióticos, a neurossífilis ainda é relevante em populações vulneráveis e em cenários de acesso limitado à saúde. Neste artigo, exploraremos os mecanismos, manifestações clínicas, abordagens diagnósticas e terapêuticas, além das estratégias de prevenção e controle da doença.

Contextualização Histórica e Relevância Atual

Historicamente, a neurossífilis foi uma das principais causas de morbidade neurológica antes do desenvolvimento da penicilina. No século XIX e no início do século XX, épocas em que a doença era amplamente disseminada, muitas pessoas sofriam com os efeitos devastadores dessa condição. Com o uso generalizado da penicilina, a incidência da neurossífilis caiu drasticamente, mas surtos da doença ainda ocorrem em populações de alto risco, como pessoas vivendo com HIV, usuários de drogas injetáveis e indivíduos com acesso precário à saúde.

Fisiopatologia da Neurossífilis

A neurossífilis ocorre quando a Treponema pallidum penetra no sistema nervoso central (SNC), frequentemente nas fases mais avançadas da infecção. Esse processo pode ocorrer semanas, meses ou até mesmo décadas após a infecção inicial, dependendo de fatores como a resposta imunológica do hospedeiro e o tratamento adequado ou inadequado da infecção primária.

As alterações patológicas incluem:

  1. Inflamação das meninges (meningite sifilítica): Pode causar edema cerebral e aumento da pressão intracraniana.

  2. Invasão vascular (vasculite sifilítica): Compromete vasos sanguíneos cerebrais, levando a isquemia e acidentes vasculares cerebrais (AVC).

  3. Degeneração neuronal: Contribui para o declínio cognitivo e sintomas motores.

  4. Desmielinização na medula espinhal: Resulta na síndrome conhecida como tabes dorsalis.

Manifestações Clínicas

A neurossífilis pode se apresentar de diversas formas, dependendo do local do SNC acometido e do estágio da infecção:

1. Neurossífilis Assintomática

Caracteriza-se pela presença da infecção no SNC sem sintomas clínicos aparentes. Pode ser detectada apenas por análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), que mostra aumento de leucócitos e proteínas.

2. Neurossífilis Meníngea

Manifesta-se precocemente com sintomas como cefaleia intensa, rigidez de nuca, náuseas, vômitos e febre. É uma forma aguda e potencialmente reversível, se tratada rapidamente.

3. Neurossífilis Meningovascular

Afeta os vasos sanguíneos do SNC, levando a isquemia cerebral ou medular. Os sintomas incluem deficiência motora, paralisia e até AVC em indivíduos jovens.

4. Neurossífilis Parética Generalizada

Uma forma crônica e progressiva que resulta em declínio cognitivo, alterações psiquiátricas (como depressão ou psicose) e fraqueza muscular generalizada.

5. Tabes Dorsalis

Afeta a medula espinhal, causando dor lancinante nos membros, perda de reflexos, ataxia sensorial e disfunção urinária. Esta é uma das formas mais incapacitantes da neurossífilis.

Diagnóstico

O diagnóstico da neurossífilis exige uma combinação de avaliação clínica, exames sorológicos e análise do LCR:

  1. Histórico Clínico: Sintomas neurológicos associados a fatores de risco para sífilis.

  2. Exames Sorológicos:

    • Teste Treponêmico (FTA-ABS): Detecta anticorpos específicos contra a T. pallidum.

    • Teste Não Treponêmico (VDRL): Pode ser utilizado tanto no sangue quanto no LCR.

  3. Punção Lombar: Análise do LCR para identificar pleocitose (aumento de leucócitos), elevação de proteínas e positividade no VDRL.

  4. Exames de Imagem: Ressonância magnética ou tomografia computadorizada para identificar lesões estruturais no SNC.

Tratamento

O tratamento da neurossífilis é baseado no uso de penicilina em doses elevadas.

  • Regime Padrão: Penicilina G cristalina intravenosa a cada 4 horas ou por infusão contínua por 10 a 14 dias.

  • Alternativas: Em casos de alergia à penicilina, considera-se a desensibilização ou o uso de ceftriaxona.

Após o tratamento inicial, é necessário realizar acompanhamento regular com punções lombares seriadas para garantir a resolução da infecção e monitorar eventuais recidivas.

Complicações e Prognóstico

Sem tratamento adequado, a neurossífilis pode causar sequelas permanentes, como:

  • Declínio cognitivo irreversível.

  • Déficits motores e sensoriais graves.

  • Cegueira ou surdez.

  • Condições psiquiátricas incapacitantes.

Com tratamento precoce, o prognóstico é geralmente favorável, embora algumas sequelas possam persistir em casos de doença avançada.

Prevenção

Prevenir a neurossífilis envolve o controle da sífilis por meio de:

  1. Educação Sexual: Promover o uso consistente de preservativos e a redução de comportamentos de risco.

  2. Testagem Regular: Especialmente em populações de risco, como pessoas vivendo com HIV ou com múltiplos parceiros sexuais.

  3. Tratamento Rápido e Eficaz: Garantir que todos os casos de sífilis sejam tratados adequadamente para evitar complicações tardias.

  4. Rastreamento de Contatos: Identificar e tratar parceiros sexuais de indivíduos infectados para interromper a cadeia de transmissão.

Conclusão

A neurossífilis é uma condição séria, mas prevenível e tratável. O reconhecimento precoce da sífilis, associado ao tratamento adequado e ao acompanhamento clínico, é essencial para evitar sua evolução para o sistema nervoso. A ampliação do acesso aos cuidados de saúde e à educação em saúde são fundamentais para controlar essa doença e proteger as populações vulneráveis.